No dia 24 de abril de 2020, Jair Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei do Senado (PLS) 368/2009, que pretendia regulamentar a profissão de historiador. O projeto foi proposto pelo Senador Paulo Paim em 2009, mas ficou parado nas tramitações até o dia 18 de fevereiro, quando foi finalmente submetido à votação no Senado e aprovado.
Porém, o Ministério da Economia e a Advocacia-Geral da União recomendaram o veto por acreditar que o projeto, ao disciplinar a profissão de historiador com a imposição de requisitos e condicionantes, restringia “o livre exercício profissional” e fere o princípio constitucional que determina ser livre “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
No dia de ontem, 18 de agosto de 2020, ambas as casas do Congresso Nacional decidiram por barrar o veto presidencial ao projeto, derrubando assim a última barreira para a regulamentação da profissão de historiador, possibilitando o reconhecimento do trabalho historiográfico como uma profissão, com seus direitos, normas reguladoras e respeito ao nosso ofício.
Esta vitória, contudo, é o reflexo de uma luta que é travada há muitas décadas no brasil por gerações de estudantes e profissionais da História - luta esta que envolveu militância nas ruas e praças, universidades e escolas no Brasil inteiro. Esta batalha foi muito longa e ainda temos muito que conquistar, mas é momento de celebrar nossas vitórias e relembrar um pouco do que já foi percorrido.
A primeira iniciativa no sentido de regulamentar a profissão se deu no ano de 1968, com a denominação de "Historiógrafo", e foi arquivado por intervenção direta de representantes do regime militar no Congresso, pelo fato de advir do Movimento Estudantil a partir da UNE;
Somente em 1983 voltou a ser apresentado um projeto visando à regulamentação da profissão de Historiador. O PL 2647, de autoria do Deputado José Carlos Fonseca, foi lido no plenário da Câmara no dia 10 de novembro de 1983. Este projeto teve uma longa tramitação e, entre todos os projetos apresentados na Câmara dos Deputados que versaram sobre a matéria, foi o que mais esteve próximo da aprovação. Ele foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça no dia 10 de abril de 1984, e na Comissão de Trabalho e Legislação Social no dia 15 de agosto de 1985
Em 19 de junho do mesmo ano, foi devolvido à Comissão de Educação e Cultura para receber nova redação para segunda discussão e votação em plenário. O projeto entrou na pauta para a segunda e definitiva votação em plenário no dia 25 de setembro de 1986, mas esta foi adiada por falta de quórum.O projeto dormiu então nas gavetas da Câmara sem receber a votação final por quase três anos. e foi finalmente arquivado no dia 5 de abril de 1989 nos termos de uma Resolução da Câmara dos Deputados que determinava o arquivamento de todos os projetos em tramitação na Casa antes da promulgação da Constituição de 1988, por não estarem adequados à nova ordem constitucional.
Em 1994, o deputado Carlos Sant’Anna apresenta novo projeto visando à regulamentação da profissão, sob a inspiração de anteprojeto neste sentido discutido e aprovado pela Federação do Movimento Estudantil em História (FEMEH), que havia sido criada em 1987, quando do VIII Encontro Nacional de Estudantes de História (ENEH), ocorrido em Brasília, e que durante muitos anos lutou pela regulamentação da profissão.
No dia 02 de fevereiro de 1995, o projeto foi arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que manda arquivar todos os projetos apresentados durante uma legislatura e que não tenham sido submetidos à deliberação até o seu encerramento. O projeto chegou a ser ser arquivado, mas não passou pelo crivo dos parlamentares.
Em 2001, mais um projeto é apresentado, indo finalmente à votação três anos depois, mas novamente rejeitado.
Em 09 de junho de 2004, o deputado Wilson Santos volta a apresentar projeto visando à regulamentação da profissão (PL 3759/2004). Em 08 de julho de 2004, a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público designa o Deputado Vicentinho relator do projeto, ele o devolve em 14 de abril de 2005 sem qualquer manifestação de sua parte à presidência da Comissão. Esta atitude será uma constante com este projeto, como veremos na sequência do relato, deixando transparecer que os deputados, sejam de que partido forem, parecem não dar a menor importância à nossa categoria. Em 31 de janeiro de 2005, o projeto é arquivado novamente. Em 06 de fevereiro de 2007, é solicitado o desarquivamento do projeto.
No Senado Federal nunca havia sido apresentada uma proposta visando à regulamentação da profissão de Historiador. Isto veio a ocorrer em 27 de agosto de 2009.
Em 25 de novembro de 2009, o relator apresentou parecer favorável à aprovação da proposta. A matéria foi incluída na pauta de votação das sessões da Comissão dos dias 19 de fevereiro de 2010 e 24 de fevereiro de 2010 quando a discussão e votação foram adiadas. No dia 03 de março de 2009, foi lido o voto favorável do relator, mas por falta de quorum a discussão e a votação da matéria foram adiadas.
Enquanto o Senado Federal conseguiu aprovar a regulamentação de nossa profissão com um único projeto, numa única votação, num prazo de nove meses, na Câmara Federal ela se arrastava há impressionantes quarenta e dois anos, a partir de nove projetos diferentes.
Contudo, no ano de 2020 foi realizado um trabalho coletivo com a ANPUH e a Federação do Movimento Estudantil de História. O trabalho foi positivo e certeiro, resultando na vitória que tivemos no dia de ontem. A FEMEH realizou diversas atividades de agitação nas redes junto com os estudantes do Brasil de Norte a Sul e um abaixo assinado que teve mais de vinte e seis mil assinaturas.
A Federação do Movimento Estudantil de História tem orgulho de estar há muito tempo nesta luta. Tivemos uma vitória em uma de nossas muitas bandeiras e, em um momento de graves ataques à educação e à pesquisa, isto deve ficar gravado nos anais da história dos movimentos estudantil e docente. Seguimos em frente sabendo que há muito a ser disputado ainda, mas com uma sensação, ainda que recente, de dever cumprido.
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