E SEU POSICIONAMENTO FRENTE AO FEMINISMO NEGRO E QUESTÃO DE RAÇA E CLASSE
Larissa Moraes Lessa[1]
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar a trajetória de Angela Davis, mulher negra, feminista, marxista, ativista, que teve grande significado para a comunidade negra, e principalmente para o movimento feminista negro. Sua imagem ficou conhecida por sua luta pelos afro-americanos em meados dos anos 60, e ao mesmo tempo pela luta contra o racismo e o capitalismo norte-americano. Considerada por muitos uma “ameaça” por ser uma mulher negra e comunista, sofreu perseguições, mas não poupou esforços para lutar contra o sistema que oprimia mulheres e negros.
Palavras-chave: Angela Davis; feminismo negro; racismo; Panteras Negras; raça; gênero.
ABSTRACT
This article presents the trajectory of Angela Davis, a black woman, feminist, Marxist, activist, who had great significance for the black community, and especially for the black feminist movement. Her image became known for her struggle for African-Americans in the mid-1960s, and at the same time for her fight against racism and American capitalism. Considered by many a "threat" because she was a black and communist woman, she suffered persecution but spared no effort to fight against the system that oppressed women and blacks.
Key Words: Angela Davis; black feminism; racismo; Black Panthe; race; gender.
O movimento feminista nos Estados unidos surgiu, em meados do século XX, através da luta de mulheres brancas, classe média, conservadoras, e liberais, em busca de seu direito de igualdade aos homens, direito de trabalhar fora de casa, e de voto. O movimento surge com uma identidade comum a todas as mulheres, com a ideia de que todas são oprimidas igualmente, e que a conquista do direito ao voto e aos salários iguais resolveriam, por aquele momento, os problemas das mulheres estadunidenses.
Donas de casa que se sentiam insatisfeitas, por ser resumidas ao lar, educando e cuidando dos filhos, buscavam mais para suas vidas. Essa seria então uma condição que afetaria todas as mulheres nos Estados Unidos. Ignorando questões como raça e classe, o sexismo seria a força opressora, que determina a condição de vida daquelas mulheres. Seus interesses pessoais acabaram por tornarem o foco principal do movimento feminista e criarem uma ideia de comum a todas. [2]
Mulheres que não se opunham ao patriarcado, ao capitalismo, ao classismo e ao racismo se rotularam “feministas”. Suas expectativas eram variadas. Mulheres privilegiadas queriam igualdade social com os homens de sua classe, algumas queriam salários igual por trabalho igual, outras queriam um estilo de vida diferente. Muitas dessas preocupações legítimas foram facilmente cooptadas pelo patriarcado capitalista dominante. (HOOKS, 2015, p.200)
Tendo em vista essa atenção às preocupações das mulheres brancas sendo postas como uma condição de todas, e necessitando de mudança, se desvia a atenção do racismo, classismo, sexismo sofrido pelas mulheres não pertencentes a esse grupo, seria a massa de mulheres norte-americanas silenciadas. O racismo presente nos discursos feministas da época reforçava a supremacia branca, e a impossibilidade de mulheres negras pertencerem a esse grupo tão seleto.[3] Como era o caso das sufragistas do Sul, que proibiam a entrada de mulheres negras ao movimento e reuniões.
Mesma que as que essas mulheres fossem “aceitas” com o passar do tempo, elas não tinham voz, afirmando assim, ser um movimento de mulheres brancas. Por esses tipos de comportamento, muitas mulheres negras que inicialmente buscaram no movimento uma forma de libertação, pelo medo do racismo, muitas após o primeiro contato, nunca mais apareciam em reuniões ou encontros. A hegemonia branca tornou essas mulheres “superiores” a todas as outras, e o sistema do racista, classista e até elitista, foi fundamental para permanecerem em posição de autoridade. Logo, mulheres negras eram vistas como inferiores, e se não tivessem estudos, não acreditavam que eram capazes de se posicionar e ter um discurso racional. ²
As mulheres negras não se viam então nesse movimento feminista, não se viam representadas, e nem suas necessidades sendo postas como questões a serem debatidos, sendo assim, excluídas da política por muito tempo. Surge então a figura da Angela Davis, mulher, negra, revolucionária, disposta a lutar pelo seu povo, a fim de acabar com o racismo e o capitalismo, se tornando uma referência para o movimento negro, e feminista. Se tornou um símbolo da luta da população negra na década de 1960, sua trajetória de luta pelos diretos civis dos negros e pelas mulheres, inicia desde sua adolescência, logo pois, nas escolas que frequentou, era minoria ou até única negra.
No entanto, como mulher negra, o crescimento de uma revolucionária foi demarcado pela opressão estrutural do racismo, machismo e sexismo no qual o sistema que nos encontramos nos impõe. Sua trajetória dialoga com a cena social vivida pelos negros que ousam ir contra a uma sociedade que, mesmo após um pouco mais de 130 anos da abolição da escravatura, não os inclui como igualmente componentes da historiografia mundial.
Após receber uma bolsa de estudos para uma escola particular progressista, ali teve seu primeiro contato com os pensamentos de esquerda e com o manifesto do Partido Comunista, se fascinando pelo que lia. Estendendo seus estudos para a Universidade em Waltham, em Massachussetts, só a fez perceber a importância de seus estudos, então, se estendendo também por universidade na França e Frankfurt, somando conhecimentos que acrescentaram na luta e intelectualmente. [4]
Para continuar seus estudos, Angela Davis passa a lecionar filosofia na universidade da Califórnia, de onde é demitida por se declarar comunista. Nesse mesmo momento também se aproximara dos Panteras Negras. Mas para além do sexismo influenciar a vida de todas as mulheres diariamente, Angela Davis e outras mulheres sofreram com isso dentro da organização, que não abriram mão totalmente do patriarcado. O que lutavam para acabar no externo da organização, não era mudado em seu interior.
Por muito tempo a questão do sexismo foi visto como um problema secundário dentro da organização, que era comandando em sua maioria por homens. Então surge a necessidade da mulher se mostrar necessária dentro do partido, e mostrar aos homens que elas são tão revolucionarias quanto eles. A ideia de luta pela libertação negra, era diretamente ligada apenas aos homens. Dentro dos grupos revolucionários, os homens exerciam uma certa “supremacia”, e as mulheres novamente, como secundarias do debate e no movimento.[5] “O mais contraditório dessa situação foi o fato de esse momento histórico ter tido como eixo unificador de diversos movimentos políticos a luta por igualdade e liberdade.” (BARRETO, 2005, p. 80).
Um outro momento importante de sua vida, foi em 1970 em que foi acusada de participar de um sequestro seguido de assassinato, a acusação era de que a arma utilizada no crime, estaria registrada no nome de Angela. Com a sua prisão, iniciou-se uma campanha que se intitulava “Fere Angela”, que recebeu apoio de muitos nomes, principalmente de Aretha Franklin, que mesmo não concordando com a sua ideologia, apoiava a causa da luta, a liberdade de todos os negros.
Nesse momento, os Panteras Negras acusam o Estado de usar a imagem da Angela Davis para ganhar visibilidade. Acusam ela de um crime, que quem cometeu, foram os próprios. Não existe ali uma defesa à população negra, não há justiça pelo negro. Angela Davis estava na prisão por ser uma mulher negra e revolucionária, ela era uma ameaça à sociedade conservadora, à família, à pátria, e à religião. Foi perseguida por sua sinceridade e por não abaixar a cabeça para o sistema. Por não desistir do seu povo, foi considerada a mulher mais perigosa dos Estado Unidos. Mas junto com outras mulheres, Angela não desistiu, e lutou até o fim pela sua liberdade e pela liberdade do povo negro.
Após a conquista de liberdade, Angela se destacou em seus estudos, dentre eles gênero, raça e classe. Como já citado, a relação das mulheres negras com o feminismo foi bastante conflituosa, por volta dos anos 60/70. Os primeiros trabalhos de Angela foram uma resposta a todos os preconceitos vividos pelas mulheres afro-americanas, que por muitas vezes foram silenciadas, e impedidas de contar a própria história.
É importante pontuar o silêncio das “mulheres de cor” como produtoras de conhecimento sobre sua própria história e experiências. No caso das mulheres negras, a invisibilidade está nos estudos feministas clássicos, onde as experiências delas foram completamente ignoradas em nome de uma homogeneização da definição de mulher, apagando as dimensões de classe e raça/etnia. E também nas pesquisas sobre raça e etnicidade, nestas as experiências dos homens negros foram consideradas como normas para toda a comunidade. (BARRETO, 2005, p.75)
O feminismo existente apresentava uma ideia de “mulher universal”, o que ocasiona o afastamento cada vez maior de mulheres negras, asiáticas, latinas, e operárias, todas que saiam dos moldes apresentado por esse movimento. Já que mulheres que não vivenciam a opressão de classe e raça, focam apenas no gênero. E Angela Davis critica esse “feminismo”, e estuda como o racismo e a questão de classe também perpassa pela vida das mulheres. Em 1970 surge tanto para Angela, quanto para as mulheres negras, uma consciência de classe, e uma ideia de qual seriam seus papeis nessa luta. “É essencial para a continuação da luta feminista que as mulheres negras reconheçam o ponto de vista especial que a nossa marginalidade nos dá e façam uso dessa perspectiva para criticar a hegemonia racista, classista e sexista dominante e vislumbrar e criar uma contra hegemonia.” (HOOKS, 2015, p.208)
Tendo em vista todas essas problemáticas vivida pelas mulheres afro-americanas, e sem nenhuma representatividade no movimento feminista existente, as próprias sentiram a necessidade de se criar um movimento próprio. “Elas construíram uma agenda política baseada na defesa da mulher e do homem negro contra o racismo com dimensões de ação política e intelectuais e aberto a todas as mulheres desejosas de participarem.” (BARRETO, 2005, p. 89). A fim da criação de novas ideias e novos modelos de liderança, elas criam uma responsabilidade, para que não só os interesses individuais sejam vistos, mas o crescimento de toda comunidade negra.
Para Angela Davis é extremamente necessário que o movimento feminista aborde as pautas de todas as mulheres, trabalhadoras, de cor, e etc. Para que todas tenham a liberdade e se sintam à vontade para lutar contra suas opressões e violências vividas diariamente. Algumas mulheres conquistaram o direito de ter voz, assim como Angela Davis, e são reconhecidas dentro das universidades e lugares públicos. Fazendo com que, acadêmicas negras que por muitos anos foram negadas, com base de que suas experiências não serviriam para a construção de conhecimento, tivessem oportunidade de estar em espaços acadêmicos.
Os estudos sobre gênero e raça vêm crescendo dentro das salas de aula. Notou-se a necessidade de se estudar essas questões juntas, para que assim mude alguns conceitos antigos, e que a visão sobre o movimento feminista e negro seja expandido, para que autoras possam ter seu espaço garantido, como autoras mulheres, sobretudo mulheres negras. E para Angela Davis é fundamental o uso da interseccionalidade para se estudar e entender conceitos que são determinantes sociais na sociedade. Entender a história das mulheres negras até os dias atuais, é entender a necessidade de mudança, de direitos que por anos foram tirados e negados a todas e todos.
Apesar de dar uma ênfase especial aos problemas econômicos enfrentados pela comunidade negra, o autor reconhece que enquanto não ocorrer uma mudança de fato na mentalidade norte-americana em geral- incluindo negros, brancos, e todos os grupos discriminados- não será possível pôr um fim à exacerbação dos sentimentos de autodepreciação e revolta. (WEST, 1994, p.3)
Visto que é necessário que, para a evolução da sociedade, questões como racismo, sexismo e sobre classe, devem ser abolidas da realidade da mentalidade da população. A comunidade negra busca uma revalorização individual e social, que para aqueles que anos atrás perderam sua identidade enquanto ser humano, hoje buscam a autoestima que foi minada por um sistema opressor.[6] Entender a importância do papel da luta de Angela Davis para essa luta, e ver a imagem dela sendo levada e ocupando tantos lugares, é de fato uma vitória histórica.
No entanto, o feminismo é mais um tipo de organização que é prisioneiro de uma visão eurocêntrica. Novamente a importância da Angela Davis até os dias atuais, a qual é uma representação da luta negra, e uma voz importante e imponente sobre a luta da população negra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAIRROS, Luiza. Nossos femininos revisitados. In: Revista Estudos Feministas.
v.3 n.2, Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
BARRETO, Raquel de Andrade. “Enegrecendo o Feminismo ou Feminizando a Raça:
Narrativas de Libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez”. Rio de Janeiro:
PUC-Rio, Departamento de História, 2005.
CARNEIRO, Sueli. Gênero, raça e ascensão social. In: Revista Estudos Feministas.
v.3 n.2, Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
DAVIS, Angela. “Mulheres, raça e classe”. Rio de Janeiro: Boitempo, 2016.
HOOKS, bell. “Mulheres negras moldando a teoria feminista”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015.
LEVI, Joseph Abraham. “Estudos de Mulher e de Gênero nos Estados Unidos da América Século XIX-XXI: Temáticas e Abordagens”. Institute for Portuguese and Lusophone World Studies Center for Public Policy Rhode Island College. Campus Social, 2006/2007, 3/4, 63-76.
SAMYN, Henrique Marques (org.). Por uma revolução antirracista: uma antologia de textos dos Panteras Negras (19681971). Organização, tradução, introdução e notas por Henrique Marques Samyn. Rio de Janeiro: edição do autor, 2018.
WEST, Cornel. Questão de Raça. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, 124p.
________________________________________________________________________ [1] Aluna graduanda de História da Universidade Federal Fluminense, em Campos dos Goytacazes, no ano de 2019. Trabalho de conclusão da disciplina TÓPICOS EM HISTÓRIA (História dos EUA no século XX). E-mail: lmoraeslessa@gmail.com. [2] HOOKS, bell. “Mulheres negras moldando a teoria feminista”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº16. Brasília, janeiro - abril de 2015. [3] BAIRROS, Luiza. Nossos femininos revisitados. In: Revista Estudos Feministas. v.3 n.2, Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. [4] BARRETO, Raquel de Andrade. “Enegrecendo o Feminismo ou Feminizando a Raça: Narrativas de Libertação em Angela Davis e Lélia Gonzalez”. Rio de Janeiro: PUC-Rio, Departamento de História, 2005. [5] SAMYN, Henrique Marques (org.). Por uma revolução antirracista: uma antologia de textos dos Panteras Negras (19681971). Organização, tradução, introdução e notas por Henrique Marques Samyn. Rio de Janeiro: edição do autor, 2018. [6] WEST, Cornel. Questão de Raça. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, 124p.
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