No dia 26 de fevereiro a pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) chega oficialmente ao Brasil. No mesmo período China, parte da Ásia e Europa já enfrentam o pico da doença, e suas ações ou omissões serviam de exemplo para a construção de protocolos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e por países que já se preparavam para enfrentar essa ameaça de um novo vírus.
No Brasil, enquanto Governadores e prefeitos de várias regiões iniciavam os preparativos em seus estados e municípios, o Governo de Jair Messias Bolsonaro, indo na direção contrária, minimizou os impactos da doença. O presidente chegou a afirmar, no dia 24 de março, em cadeia nacional de rádio e televisão, que não passava de uma “gripezinha” e defendeu o uso da Cloroquina, medicamento que em uma pesquisa inicial mostrou resultados positivos contra a COVID-19, mas em estudos posteriores foi considerado ineficiente para o tratamento da doença e seu uso sem prescrição médica pode causar efeitos colaterais graves, como arritmia cardíaca. Jair também atacou governadores e prefeitos, instigou a população a sair às ruas e a reabertura do comércio, com o discurso de que o “Brasil não pode parar”. Sabemos que essa fala do presidente não é um surto ou loucura, mas faz parte de uma ideologia e de uma plano de governo que iremos analisar nesse texto.
É notório que o atual presidente da República em momento algum propõe uma maneira de vencermos e/ou diminuirmos os danos provocados pela pandemia. O mesmo participou de diversas manifestações organizadas por apoiadores civis reivindicando o fim da quarentena/isolamento social, o fim do Supremo Tribunal Federal e Congresso. Essas manifestações além de antidemocráticas vão contra as recomendações dadas pela OMS, pois as mesmas incluem contato social e podem acarretar em uma maior propagação do vírus.
Sabemos que as omissões do presidente não são meramente um descaso, existe a ideia de que a Economia vem antes da vida ou que a Economia sustenta a vida. Essa ideia desconsidera que são os trabalhadores que sustentam o capitalismo e fazem com sua força de trabalho o mercado ter lucro. Também há uma consideração por parte do governo que no pós pandemia, quando a crise econômica se instalar, como acontecerá com todo o mundo, o presidente poderá repassar a culpa dessa crise aos prefeitos e governadores que decretaram o fechamento do comércio e o isolamento social como forma de proteção às pessoas.
Nessa linha de pensamento, o presidente seguiu em sua agenda de ataques contra aqueles que discordam de seu posicionamento, incluindo os membros de seu próprio governo. O primeiro a ser atacado nessa crise sanitária foi o ex-ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, que no dia 16 de abril foi exonerado no cargo por seguir as recomendações da OMS, contrariando o discurso do presidente por se opor também ao uso da Cloroquina, medicamento que na opinião de Bolsonaro seria a cura para a COVID-19 mesmo sem ter embasamento científico para isso. Não que Mandetta não concordasse com a linha de pensamento neoliberal desse governo, mas neste momento ele teve de respeitar a decisão da OMS pois caso não a seguisse haveria um prejuízo considerável à sua carreira podendo resultar até em um processo.
No dia seguinte, dia 17 de abril, toma posse o novo ministro da saúde, Nelson Teich, que entra no governo com uma imagem técnica para fazer seu trabalho sem envolvimento nas discussões políticas e sem contrariar o presidente. Porém, em uma de suas primeiras ações a pedido do presidente, Teich nomeia para o número 2 do ministério, que teria o papel de assegurar que o que o presidente pensa fosse feito. Assim, Teich não permaneceu um mês no cargo, pois não aceitou mudar o protocolo da Cloroquina para o tratamento da COVID-19.
Posteriormente, no dia 23 de abril o presidente externa a sociedade que irá mudar a direção da Polícia Federal dizendo que não está recebendo as devidas informações e que isso tem prejudicado a ele, sua governança e sua família. Em resposta o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, diz ao presidente que se a troca fosse feita ele deixaria o cargo, e foi o que aconteceu no dia seguinte. Em sua declaração de saída Moro acusa o presidente de interferência na Polícia Federal e aponta como prova o vídeo de uma reunião ministerial ocorrida no dia 22 de abril, dois dias antes de suas saída, onde ele afirmava que Bolsonaro teria deixado claro que a mudança na direção da Polícia Federal tinha como objetivo a interferência nas investigações sobre sua família. Essas denúncias geraram um processo no STF. No dia 24 de maio o ministro do STF, Celso de Mello, relator do processo e decano do Tribunal decide por tornar público o vídeo.
Em seguida, no último dia 22 aconteceu a reunião ministerial do mês de abril no Palácio do Planalto. O Supremo Tribunal Federal permitiu que o vídeo da reunião fosse divulgado a sociedade civil. A decisão do STF faz parte do processo que apura as denúncias do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, contra o presidente Jair Bolsonaro sob alegação de que este teria interferido politicamente no trabalho da Polícia Federal. No mesmo dia, Augusto Heleno, Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, publicou uma Nota à Nação Brasileira em que afirma que haverá "consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional" caso o pedido de apreensão do celular de Jair Bolsonaro feito por deputados ao STF seja autorizado.
A reunião em questão tem como tema a exposição de um plano de retomada sobre estratégias para a recuperação socioeconômica do Brasil pós-pandemia mundial do novo Coronavírus. Porém iremos nos ater a determinadas falas sintomáticas proferidas pelo presidente e seus ministros durante a reunião para uma análise política do atual governo. Além da falta de decoro generalizada, os presentes também se recusaram a usar máscaras (apenas Paulo Guedes estava de máscara, mas retirou ela para falar ao microfone) e se distanciar uns dos outros, violando o protocolo de combate à COVID-19 da Organização Mundial da Saúde.
Em sua fala o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu apoio para aprovar “propostas infralegais” usando uma analogia a “passar a boiada” enquanto a atenção da Imprensa e da sociedade está voltada para a questão da pandemia. A afirmativa faz clara alusão a medidas que desmantelam as leis de proteção ambiental e privilegiam o agronegócio/agropecuária, responsáveis pela maior parte do desmatamento de nossas florestas, inclusive da Amazônia. O ministro se mostrou intolerante as críticas e ações judiciais levantadas contra suas medidas. Sabemos que a máxima prerrogativa do século XXI é o embate entre o sistema capitalista e os recursos naturais, cuja exploração desenfreada pelo primeiro põe em risco toda forma de vida tendo como fim o lucro.
As falas do Ministro da Economia, Paulo Guedes, também expõem a cobrança da iniciativa privada para um programa que solucione a crise socioeconômica em que o Brasil está imerso. Aqui vale a pena um destaque sobre o papel desse Estado. A desmontagem do Estado de bem estar social, a partir de 1970, permite que as empresas privadas e grandes corporações tenham maior poder de ação. À medida que o Estado diminui seu aparato para cobrar menos impostos das empresas, seus representantes têm menos ação política. O Estado se torna um negociador refém das corporações. Isso gera uma crise democrática sem precedentes pois atualmente não existe a possibilidade de exercer democracia apenas do ponto de vista estatal. Concluímos que é preciso agir em relação ao ambiente privado para se obter direitos sociais.
Outro ponto que precisa ser ressaltado é a fala do Ministro da Educação, Weintraub,: "Povos indígenas, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. É povo brasileiro, só tem um povo. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios." O mesmo ao declarar que detesta o termo "Povos Indígenas" e que só existia o povo brasileiro fez o ataque a todas as minorias existentes na nação brasileira, dando a entender que os direitos conquistados pelas mesmas com muitas lutas e durante muito tempo são apenas privilégios.
Ademais, outra fala preocupante é a da Ministra Damares, responsável pelo ministério da Mulher, da família e Direitos Humanos, a mesma se utilizou de um discurso totalmente antidemocrático, onde afirma que após a Pandemia deve-se decretar a prisão de governadores e prefeitos que estão orientando a população a cumprir o isolamento social.
Diante dos argumentos apresentados, podemos afirmar que o vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril é mais uma prova material que o Governo tem um projeto político genocida e fascista em vigência que defende exclusivamente os direitos da burguesia. Não podemos ser ingênuos, as ações de Bolsonaro não podem ser explicadas como loucura e sim como uma forma de atuar contra a classe trabalhadora. Portanto, a Federação do Movimento Estudantil de História, na última semana, assinou o pedido de Impeachment unitário e coletivo que reuniu as assinaturas de 7 partidos e mais de 400 entidades de representações civis. Reiteramos que nosso posicionamento central é pela cassação da chapa presidencial de Bolsonaro e Mourão, pois mesmo com a saída apenas de Bolsonaro o plano desse governo seguirá o mesmo. Para derrotar esse projeto político neoliberal é preciso estarmos unidos, construindo ações pelo “Fora Bolsonaro, Mourão e seus Aliados”.
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