A Lei n.º 3.353 (Lei Áurea) não foi dada de presente aos negros e negras pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888. Foi uma conquista da luta e resistência desses povos que foram retirados das suas terras natais. Porém, essa liberdade dos corpos pretos nunca foi conquistada totalmente até os dias de hoje.
Os pretos e pretas foram jogados nas cidades e sertões sem nenhum tipo de ajuda do Estado que durante 300 anos massacraram e escravizaram seus corpos como se nem humanos eles fossem. Uma colônia que durante esses 500 anos de existência mantém sua ideologia burguesa e uma prática retrógrada que persiste até os dias de hoje: o genocídio dos pretos e pretas.
Atualmente, conforme dados coletados pela organização social TETO Brasil nas favelas de São Paulo em 2016, 70% da população da favela é negra. As casas dentro da favela muita das vezes não tem energia, saneamento básico e muito menos comida. O genocídio também se desenha por outras formas de matar as pessoas, não se resume em ser a sangue frio, algo que também ocorre dentro da favela.
A polícia dentro das comunidades tem sido o maior inimigo, logo ela que devia nos proteger e fazer nossa segurança. É ela que nos segue nas ruas, nos aborda de forma agressiva seja no centro da cidade ou na favela. É ela que invade nossa casa, nos bate e ainda fala que foi "o trabalho dela”. É ela que nos mata, some com nossos corpos e ainda vão na grande mídia falar que foi “troca de tiro com bandido” ou “bala perdida”. Mas que tipo de bala perdida é essa que sempre acerta corpos pretos em pontos letais? Essa bala perdida da Polícia Militar, Civil e Federal sempre tem um alvo: nós. Tem sido difícil sair na rua, principalmente quando parece que temos um alvo cravado em nossas costas e a qualquer momento pode ser o fim.
Segundo o levantamento do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 5.804 mortes cometidas por policiais na ativa no ano passado (2019), contra 5.716 em 2018. Nesse sentido, a escalada da violência só aumenta e em contrapartida pouco se é feito por parte das autoridades para que esse genocídio acabe. Recentemente, vimos por parte do Estado a discussão de novas medidas para estimular essas práticas de violência policial, como o proposto no projeto de lei anti crime apresentado pelo ex ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, no trecho que trata do "excludente de ilicitude".
É preciso defender que os Direitos Humanos sejam respeitados como previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual a Organização das Nações Unidas definiu 30 direitos e liberdades inalienáveis e indivisíveis, entre elas o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. “Ninguém pode tirar esses direitos e liberdades de nós. Eles pertencem a todas as pessoas que vivem sobre a Terra, e a violação dos direitos humanos constitui ato ilícito internacional. Por isso, lutamos para garantir que reparação, justiça e respeito para todos aqueles que veem seus direitos ameaçados ou violados.”
Durante todo esse tempo, esse País tentou nos embranquecer e negar nossa História ao nos chamar de pardos. Hoje, não importa se é uma criança indo para escola, nem o sonho dos nossos pequenos e pequenas, que são o futuro da nação, esse Estado respeita. Marcos Vinicius da Silva foi morto com a farda da escola em junho de 2018, uma criança de 14 anos. Evaldo Rosa dos Santos, trabalhador e como eles chamam: “homem de família”, dentro do seu próprio automóvel em 7 de abril de 2019, foi alvo de mais de 80 tiros e morreu. Está chovendo por aí na sua cidade? No Rio de Janeiro, na favela Chapéu Mangueira no dia 17 de setembro de 2018, chovia. E Rodrigo Alexandre da Silva Serrano de 26 anos estava com um guarda-chuva quando foi assassinado, pois a UPP (Unidade de polícia pacificadora) “confundiu” o guarda-chuva dele com um fuzil.
No último dia 19, João Pedro Mattos de apenas 14 anos de idade foi morto a tiros dentro de casa na frente de sua família por policiais no Complexo do Salgueiro, Rio de Janeiro, durante uma operação da Polícia Civil. Dois dias depois, o Morro da Providência (RJ) foi invadido por policiais que iniciaram um tiroteio, atingindo Rodrigo Cerqueira e deixando o rapaz de 19 anos sem vida. Jenifer, Kauan, Kauã, Kauê, Ágatha, Kethellen, João Pedro, Rodrigo, Amarildo, Marielle. Assim, todos os dias a mesma história se repete nas periferias do Rio de Janeiro e demais estados do Brasil, corpos negros são perseguidos e alvejados a mando do Estado.
Chega a ser absurdo os casos citados, mas sabe o que todos eles têm em comum? A pele PRETA. Hoje, como dizem os poetas: é a carne mais barata do mercado. Nos matam e põem em manchetes de jornais que fomos mortos confundidos com bandidos. Bandido agora tem cor e padrão? Quem mais rouba nesse país? No caso do Rio de Janeiro, a Lava Jato prendeu, em 26 de novembro de 2018, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, do MDB. Os investigadores afirmam que Pezão sucedeu Sérgio Cabral no comando da organização criminosa que desviou milhões de reais dos cofres do estado. Então, com tanto político branco e engravatado roubando por que persistem em afirmar que a pele preta é a pele “padrão” para bandidos? Certamente, é o racismo que você produz ao esconder o celular ao ver um preto. É esse tipo de racismo que o Estado usa para nos assassinar. Não alimente o racismo, ele gera grandes problemas como o genocídio.
Existe um projeto político de segurança pública em voga cuja diretriz é o mito de guerra às drogas que consiste em um paliativo para o problema e esconde seus verdadeiros objetos que são a criminalização do sujeito pobre e negro, considerado uma ameaça a ordem, (superlotação dos presídios) e em última instância seu extermínio em massa. Inspirado pelo pensamento de Foucault (1997), Achille Mbembe em Necropolítica (2011) afirma: “Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição de morte e tornar possível as funções assassinas do Estado”. No caso do Brasil sua História marcada pela colonização e pelo sistema escravocrata é justificada pelo racismo. A colônia é caracterizada pela atmosfera de terror e os sujeitos que foram escravizados são esvaziados de humanidade e transformados em mercadoria. O racismo estrutural vigente em nosso País determina quem deve ser valorizado e viver e quem deve ser expurgado, o Estado por sua vez cumpre o papel de viabilizar essas ações. O genocídio da população negra foi naturalizado a ponto de não causar comoção na maioria das pessoas, pois os corpos negros foram estigmatizados.
Porém deve-se lembrar que a população brasileira em sua maioria é preta e sua potência não pode ser apagada. É necessário encaminhar um projeto político e de vida que seja decolonial em seu cerne e projete um futuro em que o povo preto seja protagonista de sua própria História.
“A cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil”, diz ONU ao lançar campanha contra violência em 2017. Nós não queremos ser apenas estatísticas, nós não queremos morrer e virar bandeira de luta ou nome de rua, nós queremos ficar vivos para lutar contra esse sistema que nos mata diariamente é nosso direito.
“Chega de chacina!
Eu grito FORA PM ASSASSINA!”
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