Giovana Rodrigues Martins
INTRODUÇÃO
A questão agrária no Brasil sempre foi uma pauta essencial, já que abre pontos fundantes para compreender o atual contexto social. A má distribuição de terras é um problema recorrente desde a era colonial, pois as elites rurais sempre tiveram seus poderes assegurados sobre a terra. Sidney Chalhoub (2012) mostra bem como o regime monárquico estava aliado aos interesses da aristocracia agrária, fazendo inúmeras concessões. Isso acabou gerando diversas lutas dos povos marginalizados, que não tinham acesso à terra, que era o principal meio de subsistência. A economia tinha suas bases na agricultura, tornando a vida muito mais dificultosa para os que tinham o acesso negado. Esses processos reivindicatórios ao longo da história acabaram por constituir o Movimento dos Trabalhadores Sem-terra, com o qual se relaciona o objeto desta pesquisa.
A sociedade brasileira, mesmo com o surgimento da República, continua em consonância aos interesses do velho regime, os latifundiários, fazendo apenas pequenos rearranjos das leis da antiga estrutura. Dentro da divisão do trabalho pelo sistema imperialista, o país se tornou um grande agroexportador, mantendo amarras com um capitalismo dependente, controlado por monopólios bancários (DIAS, 2020). Diante do domínio das superpotências, se aprofunda a precarização da economia brasileira, especialmente dos pequenos agricultores, que passam por dificuldades para se manterem dentro do sistema produtivo. Já no início do século XX, o trabalho se enquadra ao modelo Taylorista, onde desvincula o sujeito da posse da terra, realizando um serviço terceirizado. Dessa forma, o MST procura ornar o uso da terra como um direito de todos. Entretanto, os governos neoliberais acentuam o caráter de precarização, que nos mantém à herança do atraso. Há uma tentativa de tirar a identidade camponesa, que é tão importante aos trabalhadores do campo, que visam lutar através de uma visão classista, fundada em uma perspectiva emancipatória. Assim, o êxodo do rural para o urbano é um fenômeno conhecido, já que os camponeses não encontram formas de se manter. O senso comum acredita que a juventude não interessa pelo uso da terra, assim como por sua reivindicação. Criou se um estigma sobre esse grupo, creditando grande parcela das mazelas sociais em sua conta, além de não avaliar suas reais necessidades.
Palavras-chave: MST; Juventude; Experiência; Memória; Identidade.
DESENVOLVIMENTO
O local estudado foi o Assentamento Pirituba, situado entre as cidades de Itapeva, Itararé e Itaberá, todas no Estado de São Paulo. A ocupação se deu nos anos 1981, 1982 e 1984, sendo apenas a última liderada pelo MST. É importante lembrar que o século XX foi marcado por inúmeros conflitos políticos, que tangia principalmente na questão de direitos humanos e, dessa forma, a discussão sobre o uso da terra e reforma agrária tornam-se pautas essenciais em grande parte dos países. Segundo Carlos Eduardo da Silva (2015), os primeiros anos do assentamento foram marcados por tensões. Os “holandeses” que dominavam a Fazenda Pirituba, como era conhecida na região, ameaçavam as vidas de mais de 300 famílias de trabalhadores rurais que ocupavam a área latifundiária de 17. 500 hectares. Hoje, o assentamento é formado em agrovilas, dando um exemplo de como a reforma agrária possibilita uma vida digna aos camponeses. São produzidas mais de cinco toneladas de alimentos livres de agrotóxicos anualmente, entre leite e derivados, grãos, frutas, hortaliças e verduras. O historiador também afirma que quase não se vê a atuação da juventude dentro do movimento, tendo pouca participação afetiva nas atividades. Mas antes é necessário saber o que se entende por juventude para compreender o objeto deste trabalho.
Os jovens são considerados, na visão clássica, como uma categoria densa, gerada pelos conflitos inerentes a sociedade. Esse olhar acaba os colando em duas posições: como seres narcisistas e individualistas; e como pessoas que buscam excessivamente por experimentação (GOLÇALVES, 2005). Há preocupações com esse grupo devido ao desejo social de controle e correção dos vícios, creditando grande parte das mazelas do sistema em sua conta. Mas isso descontextualiza o sujeito, não observando as suas experiências as quais estão submetidos. A juventude nos países periféricos ainda está muito ligada ao âmbito doméstico, a esfera familiar como um dos principais pilares que o direciona. (GOLÇALVES, 2005). Com enfoque no material estudado, Castro (2018) mostra que a juventude camponesa brasileira sofre por formas de exclusão social, conduzidas por políticas neoliberais, que se aprofundam nas transformações agrarias (SCHWENDLER, VIERA, AMARAL, 2018). Ou seja, torna-se economicamente inviável permanecer no campo. A autora Maria Tereza Castelo Branco (2003) traz em seu livro a teoria de que a juventude não encontra meios para a subsistência, alegando não haver trabalho. Essa mesma afirmativa é presente na fala dos entrevistados, que encontram uma realidade parecida no Assentamento Pirituba. Dyane Proença, que é moradora na Agrovila V, afirma que situação é bem difícil, já que não encontra emprego, “[...] a maioria assim, sai porque quer um salário pelo menos, porque aqui no campo tem, mas só que é difícil para você sobrevier” (PROENÇA, 2020). Com isso, é perceptível que o trabalho é uma preocupação significativa entre o grupo, pois muitas vezes determina suas escolhas.
As ações dos sujeitos são dadas por condições materiais, mas para além disso, por suas vivencias internas. Para isso, utilizaremos o conceito de experiência desenvolvido por Thompson (1981), o qual afirma que as pessoas tomam decisões com base em possibilidades determinadas pelas necessidades e interesses. Essas experiências são tratadas a partir da sua consciência e cultura, em situações específicas, e por isso, ao avaliar a juventude campesina, é necessário compreender os aspectos sociais que passam pela comunidade. A cultura é um campo aberto para mudanças e disputas, e não engessado como muitos pensam (THOMPSON, 1998). Assim, com os processos globais que vivemos, há modificações culturais constantes, que marginalizam o grupo aqui estudado, criados sobre atos de violência. Isso fica claro na fala de Dyane Proença, que diz ter dificuldade em encontrar emprego na sua área, Agronomia, por não ter oportunidades:
Quem estudou comigo, e mora aqui, também não tem serviço. Mas entre eu e o Natan, que estudou comigo, eles vão no Natan. Quando eu fui fazer a termo, eu chegava, não aqui no assentamento, mas na região, as pessoas não me ouviam, mas o Natan que estava do meu lado, eles ouviam. Eles perguntavam a opinião dele, não a minha, porque eu sou mulher, aí eu não entendo. O que uma mulher vai entender? Nada. Mas eu tive o mesmo conhecimento que ele, o mesmo estudo, a mesma formação, mas não vale. (PROENÇA, 2020)
Dessa forma, podemos perceber uma dupla relação de violência. A primeira é de não encontrar meios para viver, já que não há serviço; e a segunda é a discriminação de gênero, não a legitimando profissionalmente por ser mulher. É interessante perceber que a entrevistada faz questão de mostrar que a violência sofrida não parte do assentamento, mas sim da região ao entorno. O movimento, nos últimos anos, vem tentando trazer políticas inclusivas através de ciclos formativos, onde são feitos debates como os de gênero. Hoje, falasse em um feminismo camponês e popular, construído sobre uma teoria classista e fundamentada na Pedagogia do Oprimido do educador Paulo Freyre, a fim de subverter padrões masculinos de organização e trabalho (SCHWENDLER, VIERA, AMARAL, 2018). No ano de 2019, quando participei do encontro da Juventude Camponesa no Assentamento Pirituba, pude perceber a importância que se deram para esses debates. Ficou evidente que um dos intuitos é de que os jovens se identificassem tanto no caráter histórico quanto pessoal com a cultura, para se encontrarem como sujeitos autônomos, capazes de compreender os aspectos que os constituem enquanto indivíduos. As formações promovidas pelo movimento têm grande importância na construção do ser social, como bem explica Geovana Mariosi, que atualmente reside na cidade de Curitiba, devido a faculdade onde cursa Biologia. Ela afirma que a formação, de questão agrária, agroecologia e cooperação, foi essencial para compreender a importância e o potencial transformador que o MST carrega. Além de perceber como é possível fazer junção de dois mundos, o acadêmico e o camponês, entendendo o segundo como um espaço de saber, que deve ser reconhecido:
Foi muito... acho que chocante ver tudo isso associado a academia, porque eu ainda não tinha enxergado isso, sabe? Não tinha enxergado, não tinha conhecido pessoas na academia que trabalhavam com isso, foi realmente um primeiro contato, assim. E eu falei: nossa, tem gente que trabalha com isso, dentro das universidades, que tem gente que vem da sua cidade pra estudar isso. E eu fui começando a perceber, o quanto tudo aquilo era rico, e quanto ainda tinha muita coisa pra compartilhar, porque um curso de quatro dias é muito pouco pra você falar sobre tudo isso, né! (MARIOSI, 2020)
Podemos perceber que o curso foi apenas um ponta pé para adentrar em uma área de conhecimento que trabalhe com agricultura familiar. Essa troca de saberes proporcionada pela cooperação vai muito aquém dos locais formativos, sendo um conceito importante nas narrativas dos jovens. Eles afirmam que essa dinâmica sempre foi presente, moldando seu modo de viver. A entrevistada Dyane Proença nos mostra como a cooperação tem um papel fundamental dentre do assentamento, desde a época do acampamento:
Eu cheguei aqui com 1 ano e meio. Eu vim no acampamento na verdade com os meus pais, participei da luta desde o começo. O que eu lembro aqui da minha infância desde o começo foi quando a gente era acampada na beira da pista ali, lembro bem dos barracos, e quando a gente veio para cá. Eu lembro assim que a gente era muito unida, as pessoas aqui eram muito unidas, então chegava à noite, a gente não tinha energia, não tinha nada, mas era todas as crianças reunidas, os pais conversando, a criançada brincando. Então foi muito boa minha infância (PROENÇA, 2020)
Apesar da dificuldade relatada, é perceptível em sua fala como aqueles tempos tinham boas recordações. Quando tratamos sobre memória, é preciso entender que ela é uma construtora da identidade, que reflete nas decisões e comportamentos (CANDAU, 2016). Devemos nos atentar prioritariamente quais as maneiras que a memória se manifesta, já que agimos conforme as disposições que ela produz. Mas quando colocada em um grupo, como é o caso dos jovens assentados, não podemos esperar que todos partilhem das mesmas. Dessa maneira, o conceito de memória coletiva, tão usado, cria o compartilhamento hipotético de lembranças. Essa categoria é necessária para analisar os processos que permeiam nosso objeto, já que permite compreender conjuntos supostamente estáveis e duráveis dentro da comunidade. A união mencionada no discurso anterior é um proponente importante nas falas da juventude, pois cresceram a partir dessa prática, que acreditam não haver no espaço urbano. Essa atividade, comum desde o acampamento, é essencial no cotidiano daquelas pessoas, se tornando um fator que diferencia a vida na cidade com a do campo, com fala Cauê Sanchez, quando mostra a relação com a vizinhança:
Um afeto maior que você tem pela vizinhança, pelas pessoas que estão em volta e tal. Um afeto maior do que você tem na cidade, tipo... eu imagino crescer num bairro, eu não teria tanto esse afeto assim, como eu tenho [...]. Aqui, tipo, eu tenho afeto com os vizinhos que não tenho amizade com os filhos deles, tipo, tenho esse afeto, tipo naturalmente, sem ter outro vínculo. (SANCHEZ, 2020)
Essa diferença mostrada pelos narradores entre rural e urbano chamou muito atenção, já que é evidente como a cidade é encarada como um espaço hostil, pois não encontram as relações essenciais que são vividas no campo. Além disso, houve relatos do medo que sentem ao se assumirem como sem-terra, pela represália que podem sofrer. Fernanda Ramos, que mora na Agrovila III, diz que percebe muitas diferenças entre as pessoas da cidade, isso porque não se sente muito confortável. A estudante de pedagogia da faculdade de Itapeva- SP, afirma sentir insegurança ao falar que é do movimento:
Tem diferenças bem grandes, quando a gente estuda em um lugar que é nosso é uma coisa, quando você sai para fora é uma outra realidade, então você tem que.... Eu mesma me sinto mais fechada, eu não sou muito de ficar falando que sou do movimento e nem nada, só quando surge uma oportunidade (RAMOS, 2020).
É evidente como é importante a educação do campo enquanto uma política inclusiva. Disputar esse lugar é essencial dentro de governos neoliberais, como o que estamos vivendo. Nos últimos anos, há um processo de abandono por parte dos governantes com os trabalhadores do campo, que não são contemplados com as conquistas da modernidade. Ainda no século XXI, pequenos agricultores não tiveram acessos a modernização do campo que vem ocorrendo desde os anos de 1960 com a Revolução Verde, excluindo possibilidades a esses sujeitos. Todavia, não basta o acesso à terra e tecnologias, é necessário que se tenha educação de qualidade dentro dos assentamentos, para desvincular essa ligação mercadológica produzida pelo capital. O intuito é gerar valores e princípios que quebrem com o projeto de precarização ditado pelo regime liberal (PERIPOLLI, 2011). O âmbito educacional é visto como uma conquista, visto que a educação no campo passava por processos de precarizações, através do ensino seriado, que era pouco acessível, além de não ter nenhuma relação com o cotidiano vivido pelos camponeses, não correspondendo as necessidades reais. Fernanda Ramos relata como foi importante a construção do Centro Educacional Infantil, que teve as mulheres como linha de frente, mostrando como a luta é essencial na conquista de direitos:
Aqui do lado tem centro de educação, que foi luta das mulheres. Luta das mães que viram a necessidade da escola, e foram lutando. E também teve apoio do movimento. Foi uma ação das mulheres do movimento, e também que não estão atuando no Movimento. E foi uma conquista delas, e é algo grandioso assim, né. (RAMOS, 2020)
Isso revela como as mulheres, diante das necessidades, reivindicam meios para a manutenção deste espaço, a fim de tornar sua permanência possível, já que a são elas, em grande parte das vezes, que tomam conta dos filhos. As mulheres enfrentam um duplo problema para se manter na terra, que são a hierarquia geracional e a assimetria de gênero na organização familiar. Assim, é substancial o debate da luta de gênero na reivindicação pela terra, para avaliar a condição de ser mulher camponesa (SCHWENDLER, VIEIRA, AMARAL, 2018). O discurso mostra também como as lutas são indissociáveis, sendo necessário pensar um programa em conjunto que aborde diversas questões, para analisar os sujeitos e suas nuances.
Uma questão importante abordada pelos jovens durante as entrevistas foi o fator geracional. Para Mannheim (2010), uma geração é marcada por modificações importantes de uma época, onde dois tempos distintos, o curso da vida e a experiência histórica, sincronizam. Essa experiência, como já mencionada, é construída em condições determinadas socialmente pelo campo material (THOMPSON, 1981). Portanto, algumas percepções mudam conforme as condições, não desvinculando o indivíduo da sua história, mas readequando suas visões. No caso dos jovens entrevistados do Assentamento Pirituba, foi possível perceber grande respeito pela trajetória dos seus pais, que lutaram pela terra, propiciando uma vida mais “fácil” para a nova geração que viria:
Meus pais, na verdade vieram de outro tempo, quando eles realizaram era muita luta, luta, luta. E agora esse pessoal novo, essa juventude já tem tudo na mão, então eles enxergam como tudo fosse fácil, como eu já falei no início também. Mas esquecem um pouco o que houve atrás, então é uma diferença bem grande, não valorizam tanto, não estão nem aí muitas vezes, então é isso (RAMOS, 2020)
Para Fernanda, os jovens não valorizam a luta construída, esquecendo suas raízes e o significados que elas trazem, mas enfatiza a importância da conquista realizada. Isso, na verdade mostra, como a história não é esquecida, pois constrói, mesmo que de maneira subjetiva, parte daquilo que é o ser social. Mas, como já discutido, apesar das subjetividades dos sujeitos estarem diretamente ligadas ao campo, suas escolhas perpassam este espectro, se vinculando as questões do campo material. Geovana Mariosi também lembra a diferença geracional como algo marcante, ao dizer que hoje as crianças não precisam trabalhar tão cedo como antes, tendo maiores oportunidades. A escola também se torna um fator importante em sua fala, trazendo como instituição é necessária dentro do assentamento, “[..] pois as minhas tias começaram a trabalhar muito cedo, as irmãs da minha mãe começaram a trabalhar muito novinhas, porque tinha que trabalhar mesmo, entendeu? “(MARIOSI, 2020). Pela necessidade enfrentada, os sujeitos saiam muito cedo dos espaços de formação com a intenção de manter a si e a família, não vendo a educação como algo indispensável. A escola do campo deve ser vista como uma conquista importante, pois em um estado burguês, que edifica um sistema educacional formativo classista, operacionaliza a favor dos seus interesses. O ensino oferecido por esses aparelhos é descolocado da realidade das pessoas do campo, não dando sentido à aprendizagem. Isso inviabilizou o acesso camponeses, impedindo sua permanência. Além disso, a imposição de um modelo aliado aos ideais da velha elite dominante, a latifundiária, não permite construir um ensino científico, e que dialogue dialeticamente com os trabalhadores de forma teórico prática. A dominação imperialista se ampara no projeto de escola liberal e, por isso, é importante de se pensar uma forma de saber que compreenda os camponeses como seres autônomos. Hoje, a educação se tornou mais acessível, sendo presente na maior parte dos territórios rurais. Entretanto, é essencial voltar-se contra esse ensino burocrático que se pretende hegemônico.
Outro ponto importante na fala dos entrevistados, é se ver enquanto juventude camponesa. Esse processo envolve um conjunto de sentimentos, onde o indivíduo percebe sobre si mesmo. Os entrevistados relataram que durante a adolescência sentiram vergonha por serem sem-terra, escondendo a sua identidade. Essa é uma preocupação frequente entre o grupo, como explica Cauê Sanchez, morador da Agrovila VI, ao dizer que todos os jovens têm essa preocupação (SANCHEZ, 2020). É perceptivo que essa identificação do ser sem-terra é algo conquistada e adquirida, ultrapassando o termo prático. É se sentir pertencente. Esse processo é ainda mais dificultoso ao alegarem que por ser campo sofrem represália, tendo que enfrentar os preconceitos e estigmas que existem. Mas, o grau de repreensão intensifica- se quando tange ao movimento, como mostra Fernanda Ramos ao afirmar que não é fácil a recepção por ser do MST:
É que se você chega em um algum lugar, se você falar que é de um assentamento ou do MST, se as pessoas não forem pessoas que tenham algum envolvimento nisso [inaudível], não é muito fácil (RAMOS, 2020)
Para eles, ser do movimento é um ato político em consonância com a sua identidade. Mas percebem que muito camponeses não tem participação efetiva nas atividades, pois existe uma desmobilização dentro do assentamento. O setor burguês-latifundiário tem como projeto desvincular o sujeito do campo através de conluios, aonde sua estrutura dominante não seja afetada, agindo como serviçais do imperialismo. O extermínio do campesinato faz parte da política imperialista, aliada aos interesses da elite agraria (DIAS, 2020). Essa ação é feita pelo viés ideológico, na tentativa de impor um modelo partidário, como mostra Cauê Sanchez quando se refere as eleições de 2018:
Tipo, a importância do movimento é mais tentar informar o povo, tentar não deixar com que as pessoas do próprio assentamento se corrompam, o que acontece muito. Nessa última votação, nessa última eleição, teve muita gente do próprio assentamento votando no Bolsonaro. Teve, tipo lá Agrovila teve umas 100 pessoas... (SANCHEZ, 2020)
O governo Bolsonaro traz um ideal político conservador e liberal que exclui a perspectiva da reforma agrária, bem como da agroecologia, com o intuito de retirar as condições mínimas de sobrevivência ao trabalhador camponês. A bancada conservadora e ruralista da sociedade brasileira procura minar os movimentos socias que se opõe a essa forma de regime. Essa ideologia burguesa se impõe no pensamento de parte da sociedade brasileira, com um caráter alienante, através de processos discursos construídos historicamente. Sendo os jovens uma categoria social que envolve processos vividos, essas questões atingem diretamente esses indivíduos. A juventude vê a necessidade de uma instabilidade financeira e profissional, mas hoje, não encontram isso no campo e, por isso, se voltam para os centros urbanos. Esse movimento pode ser feito tanto por um viés de ilusão sobre o que é a cidade, quanto de necessidade de sobrevivência.
Por fim, este trabalho teve por objetivo compreender alguns aspectos da permanência, ou não, de jovens camponeses no assentamento Pirituba. Através das narrativas dos entrevistados, foi possível perceber que a juventude encontra-se em uma zona de disputas, aonde fatores sócias e culturais interferem diretamente. Há relações econômicas que permeiam as escolhas dos sujeitos, como modo de sobrevivência no local. Elas se encontram entre o sistema social inserido e a cultura herdada dos seus, entendendo essa historicidade por suas experiências, construída no campo material.
Essa pesquisa se configura como história do tempo presente, como mostra Hobsbawm (1998), e permite o historiador presenciar parte da história que conta. Apesar dos problemas dessa abordagem, é dificultado que o profissional cometa anacronismos, sendo um dos maiores erros a ser cometido como historiador.
CONCLUSÃO
O intuito desta pesquisa foi compreender a permanência, ou não, de jovens camponeses, do assentamento Pirituba, para entender os aspectos desse fenômeno em âmbito nacional. Com isso, percebeu-se que o vínculo com a terra está alinhado as possibilidades de sobrevivência no campo. Hoje, grande parcela da juventude não encontra meios viáveis de se manter, apesar de alguns tentarem passar por essa barreira. O movimento dos trabalhadores sem-terra funciona como um viés possível na permanência no campo, pois envolve o sujeito tanto nas questões subjetivas e objetivos, com um projeto de reforma agrária que prioriza a soberania alimentar, primando a vida camponesa.
Mesmo com a falta de emprego e oportunidade, é unânime nas falas dos entrevistados dois fatores: a qualidade de vida e a cooperação. O MST traz uma política de alimentos livres de agrotóxicos que não visa o acúmulo de lucros. Uma alimentação saudável em conjunto com o ambiente menos produtivista, que não vislumbra o constante trabalho para a aquisição, torna o assentamento um espaço mais saudável, sem a pressão gerada pelos grandes centros. Outro ponto emblemático nos discursos ouvidos foi a contribuição como um fator essencial, não encontrado nas cidades, que mantém as relações de maneira menos superficial. Acreditam que pela dinâmica imposta as áreas metropolitanas, dificulta ligação com a comunidade, impedindo o sistema de ajuda tão importante para eles.
A juventude é uma categoria social que se preocupa com a instabilidade econômica e autônoma, além das relações parentais. Ou seja, a visão clássica, de que eles são pessoas individualistas e narcisistas, não contempla os jovens dos países periféricos, que tem como principal pilar a família, vendo o trabalho com um proponente importante da manutenção da própria vida. Mesmo com o respeito pela luta dos seus pais, suas decisões são norteadas pelas experiências que os perpassam, construídas pelas possiblidades reais dentro de um contexto social específico. Os governos neoliberais mantiveram a estrutura do velho regime, sob o domínio imperialista, com o objetivo de retirar o trabalhador do campo e assegurar a terra aos grandes latifundiários. A precarização da situação campesina é aumentada dentro do capitalismo dependente que não dá espaço aos pequenos agricultores.
REFERÊNCIAS
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GONÇALVES, H. S. Juventude brasileira, entre a tradição e a modernidade. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 17, n. 2, 2005. Acesso em: https://doi.org/10.1590/S0103-20702005000200009
HOBSBAWM, Eric Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SAMUEL, Raphael. História oral e História local. São Paulo: Revista Brasileira de História, 1990, p. 219-243. Acesso em: https://pt.scribd.com/document/383672398/raphael-samuel-historia-local-pdf
SILVA, Carlos. Educação no Campo e memória social: percursos, afetos e paisagens possíveis na (res)significação da participação comunidade escola. Dissertação de mestrado - Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2015.
SCHWENDLER, S. F; VIEIRA, C. R; AMARAL, M. R. Relações de Trabalho, Gênero e Geração das Jovens Camponesas em Assentamentos de Reforma Agrária. Mediações, v. 23, n° 3 2018. Acesso em: http://dx.doi.org/10.5433/2176-6665.2018v23n3p248
THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
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