Laís Soares Ozório de Araújo Borges[1]
INTRODUÇÃO
Este trabalho baseia-se numa análise contemporânea do papel que as mulheres ocupam na sociedade e o processo de luta por seus direitos. Nesse propósito, será abordada sua atuação no ambiente de trabalho, a dupla jornada e a exclusão do ser feminino ao longo da história. Serão vistas narrativas que ressignificam o “ser mulher” num período que estas eram vítimas de padrões estabelecidos.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Joan W. Scott, mulher e historiadora norte-americana, que direcionou seus estudos para a história das mulheres a partir das perspectivas de gênero, atrai nossa atenção para a atuação da mulher no ambiente de trabalho antes do advento do capitalismo industrial, porém no século XIX a mão de obra feminina ganha destaque. Sua visibilidade surge através de uma pauta problemática: o lugar da mulher.
Scott apresenta uma narrativa em que as mulheres estão como produto da revolução industrial, num cenário em que eram submetidas a empregos de salários baixos, pois sua remuneração era apenas um complemento para seu lar, o que era total reflexo das suas “obrigações” domésticas e maternais. Através do processo industrial que a mulher foi introduzida na engrenagem de produção, passando a ser considerada uma operária. Operando em maquinas, exercendo as tarefas mais repetitivas, não assumindo cargos de responsabilidade e que exigisse tomada de decisão.
DISCUSSÃO E RESULTADOS
Estigmatizadas, as mulheres seguiam sendo objeto esquecido da história. Atualmente os estudos de gênero, ligados ao trabalho e ao poder têm aumentado e sido de extrema relevância nas esferas da nossa sociedade (PRAUN, 2011). Immanuel Kant, caracteriza a mulher como um ser inferior e sem independência de raciocínio, sujeitando-as a mera coadjuvante de sua existência. “[...] É um paradoxo criminoso recusar à mulher toda a atividade pública, vedar-lhe as carreiras masculinas, proclamar sua incapacidade em todos os terrenos e confiar-lhe a empresa mais delicada, mais grave que existe: a formação de um ser humano.” (GASPARI, 2003, p.42). De forma simplista, podemos afirmar que a questão de gênero permeia nossas estruturas sociais e tem sido internalizada nas relações entre homens e mulheres.
As mulheres sofreram grande marginalização pelas sociedades mais antigas. As mesmas eram destinadas a terem filhos, serem esposas e servirem dentro do lar, somente. O problema nasce a partir da questão da ausência de escolha e menosprezo de decisão do próprio indivíduo. Ademais, observamos mais uma vez a exclusão das mulheres no espaço social, devido à necessidade de lutar pelo direito ao voto. Remetendo, novamente, à incapacidade de decisão implantada.
Na Europa, ocorreu união da luta das sufragistas com o movimento operário que lutava contra a exploração. As decisões públicas foram por muito tempo monopolizadas por raça, classe e gênero. Em 1893 a Nova Zelândia garantiu o direito feminino ao voto, enquanto no Brasil, o direito foi concedido apenas em 1912, outorgado por Getúlio Vargas. A tentativa de silenciamento também foi evidente com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, pois ocorreram alterações culturais e, consequentemente, na educação feminina. O intuito era que somente habilidades manuais e de auxílio para o lar fossem estimuladas, seguindo claramente o ditado português: “Uma mulher já é bastante instruída quando lê corretamente suas orações e sabe escrever a receita de goiabada. Mais do que isto seria um perigo para o lar.” (CRAVO, 1973, p.11)
No percurso da história analisamos dicotomias e abordagens de submissão e deslocamento no espaço social. Assim como a concepção de “não poder” designada ao sexo feminino. Por muito tempo prepondera a ideia de que “lugar de mulher é na cozinha”. O que nos faz questionar: por que a jornada de trabalho sobrepõe o zelo pela família? Supõem-se que a mulher não teria capacidade para administrar seu trabalho e seu lar ao mesmo tempo, e mais, presume-se que seu intelecto está limitado a somente um espaço, e através de sua feminilidade, na maioria das vezes, sua inteligência se remete ao lar.
“Quando um empregador tinha postos de trabalho a preencher, normalmente especificava não só a idade e a qualificação requerida, mas também o sexo...” (SCOTT, 1991, p.459)
O trabalho nas fábricas foi uma condição para a sobrevivência de muitos. Incluir mulheres e crianças nas fábricas gerou mais lucros para os patrões, pois esses trabalhadores recebiam salário menor que dos homens – que, consequentemente, também tiveram seu salário alterado. O trabalho de muitos turnos seguidos decorreu em problemas com a mortalidade.
Antes da era industrial as mulheres já trabalhavam fora do lar, subjugadas a não terem suas atividades reconhecidas, pois o valor social estava centralizado no provedor de dinheiro, o pai. Em sua maioria, a força de trabalho era constituída por moças jovens e solteiras, além de priorizar idade e estado conjugal, no sul dos Estados Unidos também apuramos segregação de raça, ao preferirem mulheres de pele branca. (DAVIS, 2016)
Partindo de perspectivas contemporâneas e lutas femininas, nota-se que as mulheres trabalhadoras têm conquistado espaço na sociedade e denunciado a exploração e opressão que ainda lhes cercam. No campo da ciência e da tecnologia, na gastronomia, nos gerenciamentos... As mulheres têm reivindicado seus direitos. A história de tirania e subalternidade transformou-se em luta. Esta igualdade experimentada é fruto de reformas silenciosas. “Enquanto no período pré-industrial se considerava que as mulheres tinham combinado com êxito atividade produtiva e criação dos filhos, trabalho e domesticidade, dizia-se que a mudança presumida do local de trabalho tornara esta combinação difícil, se não impossível.” (SCOTT, 1991, p.444)
Saliento que o processo de conquista e reconhecimento é constante. O papel de subalternidade imposto às mulheres nas sociedades passadas, de modo a calar sua voz e renegar sua influência, não será mais admitido. Contrapondo leituras sexistas, que fragmentam a capacidade cognitiva e de relação, com base na rotina de mulheres com dupla jornada, é assentida a habilidade de assumir mais de uma função, visto que no Brasil, é progressiva a responsabilidade feminina no sustento da família (IBGE, 2010). O crescimento da presença feminina nos espaços de predominância masculina tem complementado que lugar de mulher não é na cozinha e que o processo de emancipação da figura feminina é gradual e resistente.
Referências
CRAVO, V. L. Z. A Influência da Mulher na Independência. Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, v. 18, p. 9-17, 1973.
DAVIS, Angela. “Mulheres, raça e classe”. BOITEMPO. São Paulo, 2016.
Estatísticas de Gênero mostram como as mulheres vêm ganhando espaço na realidade socioeconômica do país. IBGE. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo?busca=1&id=1&idnoticia=2747&t=estatisticas-genero-mostram-como-mulheres-vem-ganhando-espaco-realidade-socioeconomica-pais&view=noticia. Acesso: 8 de maio de 2020
GASPARI, Leni Trentim. Educação e Memória: Imagens Femininas nas “Gêmeas do Iguaçú” nos anos 40 e 50. (Dissertação de Mestrado em Educação) Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2003.
PRAUN, Andrea Gonçalves. "Sexualidade, gênero e suas relações de poder". Húmus, N° 1, 2011, pp. 55-65
SCOTT, Joan W. “A mulher trabalhadora”. In: DUBY, Georges & PERROT, Michelle. História das mulheres no Ocidente, vol.4: o século XIX, p. 443-475.
________________________________________________________________________ [1] Discente de História – UFRRJ
Kommentare