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UMA QUESTÃO DE DIREITOS: A FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO

Amanda Beatriz Raimundo[1]


RESUMO

Este trabalho é fruto de uma pesquisa de iniciação científica em curso chamada Fora das Ruas: a atuação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) e tem como objetivo apresentar essa parte essencial da História do Feminismo brasileiro. A FBPF foi uma entidade fundada no começo do séc. XX que contribuiu de forma decisiva para a conquista de direitos da mulher no Brasil. A partir do estudo da organização e da atuação de suas integrantes foi possível constatar o impacto a longo prazo que a FBPF teve na parte socioeconômica e na questão dos direitos femininos no país.


Palavras-chave: História do Feminismo; Brasil; Direitos; Mulheres; FBPF; Condição da mulher brasileira


Abstract: This work is the result of an ongoing scientific initiation research called Fora das Ruas: a atuação da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) and aims to present this essential part of the History of Brazilian Feminism. The FBPF was an entity founded at the beginning of the 20th century that contributed decisively to the conquest of women's rights in Brazil. From the study of the organization and the actions of its members it was possible to see the long-term impact that the FBPF had on the socioeconomic part and on the issue of women's rights in the country.


Key-words: History of Feminism; Brazil; Rights; Women; BFFP. Brazilian women's condition


As primeiras movimentações de mulheres por reivindicações de cunho feminista se deram no Brasil por volta de meados do século XIX. Através da mídia – jornais, mais especificamente – colocavam questões sobre a educação e a instrução da mulher: reivindicava-se o direito à educação como forma de emancipação feminina (FGV–CPDOC). A manifestação seguinte ligada à questão feminina, ocorreu no começo do século XX, a partir de associações de mulheres que lutavam pelo direito ao voto no Brasil e que foi fruto da discussão internacional e dos movimentos sufragistas. As principais instituições representantes desses movimentos foram a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), presidida por Bertha Lutz (1894 – 1976) e a Aliança Nacional de Mulheres, liderada por Natércia da Silveira (FGV–CPDOC).

A FBPF foi fundada no Rio de Janeiro no ano de 1922, liderada por Bertha Lutz. Entre suas reivindicações estavam presentes o voto feminino, a instrução da mulher, a proteção às mães e à infância, e uma legislação reguladora do trabalho feminino (FGV–CPDOC). Entretanto, a atuação da associação ficou marcada pela defesa do sufrágio feminino. Formada majoritariamente por mulheres da classe média, a FBPF contou com núcleos em vários estados, tais como: Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Distrito Federal, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso.

Por se tratar de uma associação de classe média, a instituição atuou junto à política nacional, através de reuniões com políticos (muitos deputados e o próprio Getúlio Vargas) e de diálogos com órgãos internacionais que tratavam das questões da mulher (como por exemplo a National Women’s Party (NWP) e a Women’s League). A proximidade das integrantes ao círculo político permitiu que a atuação fosse nesse campo mais diplomático, da política institucional e de certa maneira influenciou o modo como se abordaria a questão da mulher.

Diferente de outros tipos de movimentos feministas que utilizaram (e ainda hoje utilizam) as ruas, o protesto, as manifestações contrárias às decisões de âmbito governamental, a FBPF trabalhou para mudar a partir das leis, da Constituição, a condição da mulher no Brasil. Segundo Teresa Meques (FRIAÇA, 2018: 22), Berta Lutz acreditava em políticas públicas que fossem universais e permanentes. Por isso seu engajamento no campo das leis. Cabe mencionar que a FBPF era centralizada na figura de Bertha Lutz, o que gerou alguns desentendimentos entre as integrantes em certos momentos.

Bertha Maria Júlia Lutz nasceu em 1894 e era filha de Adolpho Lutz, um dos mais importantes cientistas do Brasil, pioneiro da medicina tropical. Vinda de uma família privilegiada, Bertha completou seus estudos na Europa e foi lá que teve contato com a campanha sufragista que eclodiu em vários países do Velho Continente. Em 1918, após se formar na Universidade de Sorbonne, em Paris, Bertha Lutz voltou para o Brasil e fundou em 1919 a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino que seria utilizada para influenciar a opinião pública e pressionar o Congresso. Foi dissolvida em 1922 após a participação de Lutz na Conferência Pan-Americana de Mulheres, instituindo a FBPF. No mesmo, a FBPF promoveu o 1º Congresso Internacional Feminino e em 1932 o segundo.

No final do séc. XIX e começo do XX, floresceram debates sobre o trabalho feminino e a necessidade de igualdade nas relações de trabalho, esfera na qual também se insere a FBPF, além de vários órgãos internacionais, incluindo a Organização Internacional do Trabalho, fundada em 1919. Entre 1917 e 1937 o Brasil tinha uma classe trabalhadora majoritariamente rural e com pouca instrução formal ou qualificação (FRACCARO, 2018: 23). Apesar do processo de industrialização que começou em fins do XIX ter absorvido parte significante da mão de obra, os números mostravam o predomínio do trabalho rural e da população camponesa.

Houve um crescimento nas taxas de ensino público e profissional para ambos os sexos, entretanto, a disparidade nos números de permanência escolar era bem diferente. Em outras palavras, havia certa paridade no número de matrículas de homens e mulheres, mas estas permaneciam menos tempo no ensino do que os homens. Acabam trancando matrículas e não dando continuidade aos estudos. Isso se mostra ainda mais forte no nível secundário, onde as matrículas dos homens eram cerca de três vezes maior do que as das mulheres. Outra diferença gritante no início do séc. XX eram os salários entre os sexos, sendo que homens chegavam a ganhar cerca de 60% a mais do que as mulheres, no setor têxtil esse número podia atingir 84%. A disparidade é também percebida na remuneração de adultos em relação à de crianças (FRACCARO, 2028: 27 e 28). Somado a esse cenário, haviam as péssimas condições de trabalho nas fábricas as quais a classe trabalhadora era submetida, isso atingia ainda mais as mulheres e crianças.

Diante de tal contexto, os debates acerca da condição da mulher no Brasil levaram em consideração tanto a falta de garantias na participação da mulher como cidadã quanto a precariedade das condições de trabalho desse grupo. No campo científico, a necessidade de melhorar as condições das fábricas era vista também como uma forma de garantir a saúde pública - uma vez que nesse período o discurso sanitário e as práticas higienistas eram fortes, e exemplificados pela reforma urbanística do Rio de Janeiro e a campanha de vacinação que levou ao episódio da Revolta da Vacina. Assim, de acordo com Gomes (FRACCARO, 2018: 96 e 97), “A proteção da força de trabalho, em vista de uma legislação pensada como um fator de ordem sanitária e moral, envolvia o futuro da raça humana e a reprodução e conservação da própria força de trabalho. Foi por dentro desses aspectos que se forjou o pensamento sobre a proteção do trabalho das mulheres no Parlamento”.

Os debates sobre a maternidade envolviam tanto a preocupação com a reprodução da força de trabalho, questão que defendia a regulamentação de leis de proteção, quanto posições conservadoras que sustentavam que qualquer regulamentação retiraria a mulher do mercado de trabalho, prejudicando elas próprias. Havia ainda o setor empresarial, contrário a qualquer intervenção do Estado e que foi a principal barreira para as mudanças. A fundação da OIT foi importante para pressionar o estabelecimento de leis, os debates eram acompanhados de perto pelas feministas da classe média nacional, que podiam comparecer às reuniões e convenções do órgão e tinham influência no governo brasileiro, pois eram próximas a diversos políticos.

Apesar de apoiar várias demandas da classe trabalhadora, não havia uma comunicação forte da classe média com os setores trabalhistas. As lutas se davam em esferas diferentes - o âmbito institucional, internacional e ligado aos órgãos oficiais e o âmbito da luta trabalhista, por vezes considerada ilegal e sempre combatida pelos empresários. Soihet (SOIHET, 2013: 95) lista alguns motivos para a não participação das trabalhadoras nas lutas em conjunto com a classe média, dentre eles estavam que os debates ocorriam em momentos impróprios e locais de difícil acesso, distância social entre as membras da FBPF e as trabalhadoras e falta de interesses destas, mais preocupadas com sua sobrevivência.

No ano de 1933, Bertha Lutz, em conjunto com integrantes da FBPF, e a convite do Governo varguista, elabora um anteprojeto para a Constituição que viria a ser promulgada no ano de 1934. O episódio é marcante e sem precedentes, pois foi a primeira vez que a opinião feminina foi chamada para atuar na organização pública nacional, segundo Lutz (1933: 63). Sendo assim, o anteprojeto se constitui de tal forma como um retrato da mentalidade, aspirações e ideais das feministas da FBPF naquele momento. Nele, sustenta-se a implementação do voto universal, o salário igual entre homens e mulheres, a equiparação jurídica e o estabelecimento do pátrio poder para a maternidade, possibilitando que a mãe passe seu nome para os filhos. No departamento de “Maternidade, infância e lar”, é determinada a participação consultiva e técnica da mulher.

A FBPF e Betha Lutz, longe de se limitarem à campanha pelo voto feminino, lutaram por muitas outras pautas que continuaram a figurar nos anos seguintes e alguns ainda se fazem presente nas demandas da população. Muitas das proposições feitas pela instituição foram incorporadas à Constituição de 1934, entretanto outras ainda permanecem excluídas do campo legal. A FBPF e, por extensão, Lutz, incentivaram várias categorias profissionais femininas a formarem associações (SOIHET, 2018: 79), formularam projetos que visavam a regulamentação e humanização do trabalho da mulher. Dentre essas proposições estavam a defesa do estabelecimento de creches, proteção à maternidade e à infância, supressão das limitações da mulher casada, previdência social e educação igual para ambos os sexos, dentre outras. Houve ainda o Decreto do Trabalho das Mulheres, em 1932, que estabelecia a igualdade salarial e licença-maternidade (FRACCARO, 2018: 22).

A educação merece um foco adicional, pois além de estabelecer a igualdade, ainda recomendou o ensino público e obrigatório, alcançando o ensino secundário e fazendo menções a algo semelhante para o ensino superior. Além disso, reivindicava a criação de institutos de pesquisa e desenvolvimento da ciência.

Muitas proposições foram incluídas no Estatuto da Mulher, também elaborado pela FBPF. E como forma das mulheres se informar sobre seus direitos, incentivava-se a conscientização acerca dos tratados e conferências sobre o trabalho que estavam em discussão na época. Fundada em 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino foi responsável por garantir muitas leis para as mulheres do Brasil, direitos e garantias que usufruímos ainda hoje, e por propor outras que precisamos lutar depois de tanto tempo ter passado. O que só mostra que longe de serem pautas novas, os debates acerca da condição feminina são antigos e avançados, cabendo apenas aos conservadores os obstáculos para a aquisição da equidade plena entre os sexos. Por fim, o golpe de 1937 minou a atuação da FBPF e resultou em retrocessos para as mulheres como um todo, constituindo-se num golpe contra todas nós.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Carta da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino a Getúlio Vargas agradecendo o apoio dado pelo Governo às reivindicações feministas submetidas à consideração da Assembléia Nacional Constituinte. Rio de Janeiro (vol. XV/37). Disponível em:


FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO. In: FGV – CPDOC. Disponível em:


FRACCARO, Glaucia. Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018.


FRIAÇA, Guilherme José Roeder. Mulheres Diplomatas No Itamaraty (1918-2011): Uma análise de trajetórias, vitórias e desafios. Brasília - DF: FUNAG, 2018.


LUTZ, Bertha. 13 princípios básicos. Suggestões ao Ante-Projecto da Constituição. Rio de Janeiro: Edição da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, 1933.


MOVIMENTO FEMINISTA. In: FGV – CPDOC. Disponível em:


SCHUMAHER, Schuma (Org.). Dicionário mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.


SOIHET. Rachel. Feminismos e antifeminismos: mulheres e suas lutas pela conquista da cidadania plena. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013.

________________________________________________________________________ [1] Graduanda em História - FFLCH-USP

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